Transição pacífica<br>no Burkina Faso

Carlos Lopes Pereira

De­pois da in­sur­reição po­pular que der­rubou Blaise Com­paoré em fi­nais de Ou­tubro, da fuga do di­tador e da to­mada do poder pelas forças ar­madas, de­senha-se uma tran­sição pa­cí­fica no Bur­kina Faso.

Um pre­si­dente in­te­rino, es­co­lhido por con­senso entre mi­li­tares, forças da opo­sição e per­so­na­li­dades civis e re­li­gi­osas, já foi in­ves­tido e toma posse nesta sexta-feira. Trata-se de Mi­chel Ka­fando, de 72 anos, di­plo­mata, du­rante muitos anos em­bai­xador bur­kinês nas Na­ções Unidas e, antes disso, mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros do Alto Volta, an­te­rior de­sig­nação da «Terra dos ho­mens ín­te­gros».

A so­ció­loga Jo­séphine Oué­draogo, ex-mi­nistra de San­kara, e um res­pei­tado jor­na­lista, Cherif Sy, eram os ou­tros dois can­di­datos, pre­te­ridos pelo con­selho de 23 «sá­bios», que in­cluiu lí­deres tra­di­ci­o­nais e da Igreja Ca­tó­lica.

Ka­fando de­clarou que não vai poupar es­forços para en­frentar o de­safio que lhe foi co­lo­cado e com­pro­meteu-se a tra­ba­lhar pela «cons­trução de uma nova so­ci­e­dade ba­seada na de­mo­cracia». Já prestou ju­ra­mento como pre­si­dente in­te­rino, afir­mando-se hon­rado mas acei­tando as res­pon­sa­bi­li­dades «com muita hu­mil­dade».

Um cor­res­pon­dente do jornal El País, de Ma­drid, «tran­qui­lizou» os seus lei­tores quanto ao perfil do pre­si­dente de tran­sição, afas­tando even­tuais sus­peitas de que pu­desse ser um re­vo­lu­ci­o­nário ou se­quer um pro­gres­sista. «Em­bora afas­tado ide­o­lo­gi­ca­mente do san­ka­rismo (a ide­o­logia de cariz na­ci­o­na­lista e de es­querda do pre­si­dente Thomas San­kara, as­sas­si­nado em 1987)» – es­creve José Na­ranjo a partir de Dakar – Mi­chel Ka­fando «é ad­mi­rado pela sua ho­nes­ti­dade».

Estão pre­vistas elei­ções pre­si­den­ciais e le­gis­la­tivas em No­vembro de 2015 e até lá o país será re­gido por uma Carta de Tran­sição, uma es­pécie de cons­ti­tuição in­te­rina, en­tre­tanto apro­vada. O pri­meiro-mi­nistro, o go­verno com 25 mi­nis­tros e os 90 mem­bros do Con­selho de Tran­sição, par­la­mento pro­vi­sório, são es­co­lhidos ao longo desta se­mana.

A trans­fe­rência de po­deres dos mi­li­tares, li­de­rados pelo te­nente-co­ronel Isaac Zida, para o pre­si­dente Mi­chel Ka­fando está agen­dada para amanhã, em Ua­ga­dugu. Pelo menos seis chefes de es­tado oeste-afri­canos – do Gana, Mali, Mau­ri­tânia, Níger, Se­negal e Togo – mar­carão pre­sença, apa­dri­nhando uma tran­sição ne­go­ciada ra­pi­da­mente e que pre­tendem pa­cí­fica e ci­vi­lista.

Contra a cor­rupção

Es­pe­cula-se agora sobre qual será o papel de Zida e dos mi­li­tares, que es­ti­veram no poder três se­manas e que ma­ni­fes­taram von­tade de in­te­grar o fu­turo go­verno pro­vi­sório.

A co­mu­ni­dade afri­cana ex­pressou apoio ao pro­cesso. A União Afri­cana, que lan­çara um ul­ti­mato às forças ar­madas para en­tre­garem o poder aos civis, saudou a «ma­tu­ri­dade po­lí­tica» e o «sen­tido das res­pon­sa­bi­li­dades» dos bur­ki­neses. Em Addis-Abeba, a pre­si­dente da Co­missão Afri­cana, Nko­sa­zana Dla­mini-Zuma, saudou o res­ta­be­le­ci­mento da cons­ti­tuição e tomou nota, «com sa­tis­fação», da no­me­ação de uma per­so­na­li­dade civil como pre­si­dente da tran­sição. O re­pre­sen­tante es­pe­cial das Na­ções Unidas na re­gião, Mohamed Chambas, fez idên­ticas de­cla­ra­ções.

O pre­si­dente do Gana e da Co­mu­ni­dade Eco­nó­mica dos Es­tados da África Oci­dental (Ce­deao), John Dra­mani Mahama, um dos me­di­a­dores da crise, con­si­derou que a ins­ta­lação de um re­gime de tran­sição civil de­monstra a von­tade do povo bur­kinês e dos seus re­pre­sen­tantes de «pri­vi­le­giar o in­te­resse su­pe­rior da nação».

De fora de África des­tacou-se a opi­nião do pre­si­dente Fran­çois Hol­lande, de França, an­tiga po­tência co­lo­nial e o prin­cipal aliado do re­gime der­ru­bado. Sem pudor, fe­li­citou o novo líder de tran­sição e as­se­gurou que a França mantém-se ao lado do Bur­kina Faso «neste pe­ríodo chave da sua his­tória».

Sabe-se hoje que as tropas fran­cesas es­ta­ci­o­nadas em Ua­ga­dugu aju­daram Com­paoré a es­capar à fúria po­pular, a fugir do país e a re­fu­giar-se na vi­zinha Costa de Marfim, go­ver­nada por outro fiel amigo de Paris, o pre­si­dente Alas­sane Ou­at­tara. Com­paoré re­fu­giou-se em Ya­mous­soukro e a Frente Po­pular Mar­fi­nense, de Lau­rent Gbagbo, já de­nun­ciou o seu «exílio dou­rado».

Por seu turno, Zéphirin Di­abré, líder das forças po­lí­ticas que se opu­seram a Blaise Com­paoré, apoiou também a de­sig­nação de Mi­chel Ka­fando. O seu pro­grama, afirmou, cen­trado no com­bate aos «pro­blemas da cor­rupção e im­pu­ni­dade», res­ponde «exac­ta­mente ao que as pes­soas es­peram».

Opi­nião di­fe­rente tem um es­tu­dante uni­ver­si­tário bur­kinês, ci­tado pela Jeune Afrique. «Para quê der­rubar Com­paoré se foi para o subs­ti­tuir por um es­birro seu?», ques­ti­onou Jérôme Oubda à re­vista, ex­pres­sando uma pre­o­cu­pação le­gí­tima e jus­ti­fi­cada.




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